Quase dez anos afastados dos palcos brasileiros e nenhuma música nova desde 2005. Ainda assim, o System of a Down chegou ao Allianz Parque com o tipo de força que faz o tempo parar. Com chuva, frio e corações acelerados, a banda armênio-americana entregou um espetáculo explosivo, afiado e profundamente catártico, digno de um reencontro aguardado por gerações inteiras.

A sensação era de que o público estava diante de algo raro, quase mitológico. Serj Tankian, Daron Malakian, Shavo Odadjian e John Dolmayan mostraram que ainda dominam com maestria a arte de transformar caos em celebração. E como fazem isso? Com uma sequência de hinos que desestabilizam e provocam, mas que também unem — da fúria de “Prison Song” ao lirismo sombrio de “Aerials”.
A abertura com “X” foi o prenúncio do que viria: intensidade sem respiro. Poucos minutos depois, quando “Aerials” começou, as rodas punk já dominavam as pistas, como se a cidade inteira estivesse sendo sacudida de dentro pra fora. E dali em diante, o ritmo não caiu. “I-E-A-I-A-I-O”, “Bounce”, “Needles”, “Toxicity”, “B.Y.O.B.”… Cada faixa soava como um grito coletivo de fúria e pertencimento.
Daron, como sempre, roubou a cena. Seus vocais complementam e às vezes até colidem com os de Serj, criando uma dinâmica que soa estranha, imprevisível e genial ao mesmo tempo. O guitarrista ainda arrancou risos ao brincar com a dedicatória de “Cigaro” às mães — justo em pleno Dia das Mães — e logo emendou com a melancolia de “Roulette”, evidenciando o contraste que sempre fez parte do DNA da banda.
Serj, por sua vez, pode não ser o frontman mais performático, mas sua presença impõe respeito. Com gestos quase teatrais, voz impecável e olhar penetrante, conduz o público como um maestro niilista — alguém que sabe que o mundo está desmoronando e decide cantar sobre isso com elegância e raiva. Shavo segura o palco com presença e empatia, enquanto Dolmayan, sempre concentrado, oferece uma bateria precisa, firme, quase militar.
Visualmente, o show também entrega. Telões retangulares em movimento criam um cenário minimalista e industrial, sem excessos visuais que desviem da música. Quando surgem frases como “paz: adiada indefinidamente” e “sem abrigo, sem futuro, sem segurança” durante “B.Y.O.B.”, o recado é direto: o System segue sendo uma banda política, crítica e necessária.
Nos momentos finais, ao som de “Chop Suey!” e “Sugar”, o estádio virou um campo de batalha emocional. Sinalizadores se acenderam, vozes se fundiram e a cidade se rendeu. Não era só um show: era um desabafo coletivo, uma comunhão entre banda e plateia que pouco se vê hoje em dia.
O SOAD pode até não lançar mais discos, pode não falar muito no palco, pode até sumir por mais uma década. Mas enquanto existirem músicas como essas, e fãs dispostos a se entregar como os que lotaram o Allianz duas noites seguidas, essa banda seguirá sendo insubstituível. Incopiável. Imortal.