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A noite de 14 de maio ficará marcada como um dos eventos mais intensos e simbólicos da história recente da música ao vivo no Brasil. No Autódromo de Interlagos, diante de 70 mil pessoas em absoluto transe coletivo, o System of a Down encerrou a turnê “Wake Up!” com um espetáculo que transcendeu o entretenimento e assumiu contornos de ritual. Não foi só o encerramento de uma série de shows. Foi a consagração definitiva de uma das bandas mais disruptivas do século XXI, em um país que sempre os acolheu com devoção.

System of a Down encerra turnê sul-americana com noite histórica em Interlagos
System of a Down encerra turnê sul-americana com noite histórica em Interlagos

A última apresentação da banda em solo brasileiro reuniu 38 músicas, formando o setlist mais extenso da turnê sul-americana. Foi uma demonstração de fôlego artístico rara em tempos de espetáculos cada vez mais calculados. Com um repertório que percorreu quase toda a discografia, da urgência suja de “Suite-Pee” à delicadeza melancólica de “Roulette”, passando por clássicos como “Chop Suey!”, “Toxicity” e “Aerials”, o grupo montou um painel sonoro que expôs não apenas sua inventividade musical, mas sua capacidade de manter-se relevante sem precisar se reinventar.

Interlagos, geralmente palco de festivais e provas automobilísticas, foi transformado em arena política, emocional e sonora. A energia do público brasileiro, que esperou mais de uma década por esse retorno, reverberava como um organismo vivo em cada explosão de bateria, em cada riff distorcido, em cada palavra gritada em uníssono. Em determinados momentos, especialmente durante faixas como “B.Y.O.B.” e “War?”, a massa parecia não apenas acompanhar a música, mas amplificá-la, devolvendo à banda o peso de suas próprias mensagens com ainda mais intensidade.

A apresentação não foi apenas técnica ou performática. Foi carregada de simbologia. Durante “Soldier Side”, os fãs formaram com luzes a bandeira da Armênia, país de origem dos integrantes. As cores vermelha, azul e amarela cortaram a escuridão com um brilho silencioso, mas avassalador, em gesto de empatia e memória histórica. Serj Tankian, visivelmente comovido, reagiu depois nas redes: “Sem palavras”.

No palco, Daron Malakian foi o centro gravitacional de caos e carisma. Entre piadas provocativas, como a dedicatória de “Cigaro” a todas as mães do mundo no Dia das Mães, e agradecimentos emocionados à equipe que viabilizou a turnê, o guitarrista e vocalista expôs a face humana por trás da fúria das guitarras. Durante “Lost in Hollywood”, notou, rindo, pessoas na plateia vestidas de Jesus. Eram ecos da devoção que a banda inspira, não como mito ou espetáculo, mas como símbolo de resistência artística.

O público, por sua vez, entregou tudo o que podia. Desde o empurra-empurra inicial que comprometeu parte da estrutura de contenção até os moshs insanos e sinalizadores que cruzaram o ar, cada ação parecia estar conectada a uma urgência coletiva: a de viver esse momento como se fosse o último. Talvez fosse mesmo. Ainda que não haja uma confirmação de encerramento definitivo das atividades, o longo hiato entre turnês e a ausência de novos álbuns desde “Hypnotize” (2005) alimentam a ideia de que o SOAD, quando aparece, é para dizer algo que realmente importa.

Ao fim da noite, uma queima de fogos selou o adeus. Mas ao contrário da euforia fácil, restou um sentimento mais profundo, de que se testemunhou algo raro, irreproduzível, um tipo de arte que se recusa a ser domada. O System of a Down, com sua mistura de peso, política e poesia, segue sendo uma banda que não se acomoda em nostalgia, mas que ativa, em quem os ouve, a sensação de estar vivo no meio do caos. Em Interlagos, essa verdade ficou cristalina. E inesquecível.

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