Sessenta anos de carreira não são apenas um número simbólico. São um marco que pouquíssimos artistas no mundo conseguiram alcançar com relevância, energia e, principalmente, uma base de fãs fiel e apaixonada. E se há uma banda que pode se orgulhar de ter atravessado gerações com dignidade, sem se perder em modismos ou sucumbir à repetição automática, é o Scorpions. Quando subiram ao palco do Allianz Parque no último sábado, como headliners do Monsters of Rock, a sensação era de que o tempo havia sido gentil com o grupo alemão — e ainda mais generoso com seu público, que compareceu em peso, enfrentando chuva e maratona de shows, para viver mais uma noite histórica.

Ver o Scorpions ao vivo em 2025 é testemunhar um feito raro no rock: uma banda que continua se apresentando em grande forma mesmo após seis décadas do seu nascimento. Klaus Meine (voz), Rudolf Schenker (guitarra base), Matthias Jabs (guitarra solo), Pawel Maciwoda (baixo) e Mikkey Dee (bateria) mantêm a estrutura de um grupo que soube envelhecer sem parecer uma caricatura de si mesmo. E mais: souberam preservar a identidade de seu som, abraçando o peso e a melodia do hard rock sem apelar para atualizações forçadas. A química entre os integrantes é nítida, mesmo com as marcas do tempo aparecendo aqui e ali — especialmente no vocal de Meine, que, aos 76 anos, entrega o que pode com sabedoria e experiência.
É verdade que algumas notas agudas já não saem com a mesma naturalidade de antes. Mas isso pouco importa quando o carisma continua intacto e o repertório é capaz de emocionar qualquer fã. “Send Me an Angel”, “Wind of Change”, “Big City Nights” e “Rock You Like a Hurricane” funcionam como hinos intergeracionais e foram entoados com entusiasmo por uma plateia que parece conhecer cada verso de cor. E se faltaram faixas como “Holiday” e “No One Like You”, os resgates inesperados — como o medley com músicas da fase Uli Jon Roth e a rara “Loving You Sunday Morning” — compensaram com sobra, trazendo variedade ao setlist e agradando até os fãs mais saudosistas.
A performance de palco também merece destaque. Rudolf, igualmente com 76 anos, é um caso à parte: esbanja energia, corre, pula, sorri — como se estivesse começando agora. Matthias Jabs, por sua vez, continua sendo um dos guitarristas mais subestimados do hard rock. Com solos limpos, criativos e absolutamente precisos, mostra um domínio técnico impressionante e um bom gosto que salta aos ouvidos. Mikkey Dee, sempre explosivo, injeta adrenalina no grupo com uma pegada vigorosa e parece completamente recuperado da grave infecção que o afastou no fim de 2024. Já Pawel Maciwoda segura a base com discrição e eficiência, sem chamar a atenção para si, mas entregando exatamente o que a banda precisa.
A conexão com o Brasil não é só estatística — embora ela seja impressionante: mais de 50 shows por aqui e São Paulo como a cidade que mais consome Scorpions no Spotify em todo o mundo. A ligação é emocional, construída desde aquele Rock in Rio de 1985 até hoje, e renovada em cada visita com uma entrega que transborda respeito e gratidão. Mesmo depois de horas de festival e sob uma chuva insistente, ninguém arredou o pé enquanto a banda despejava hit atrás de hit em 100 minutos intensos.
A longevidade do Scorpions não se explica só pela música. Há uma integridade na forma como eles se mantêm no palco, como tratam seu repertório, como valorizam os fãs. Estão longe de ser uma banda apenas nostálgica — são um grupo que honra o passado com frescor e convicção, sem parecer preso a ele. E essa talvez seja a chave para uma carreira tão longa, tão sólida e ainda tão viva.
Se este for um dos últimos capítulos dessa história, será um final digno. Mas, a julgar pelo que se viu no Allianz Parque, o Scorpions ainda tem combustível para muitos shows pela frente. E o público, especialmente o brasileiro, estará sempre pronto para recebê-los de braços abertos.