O Queensrÿche não veio ao Monsters of Rock 2025 para agradar o público com obviedades. Em vez disso, a banda preferiu montar um repertório calcado em suas raízes mais densas e técnicas, deixando de fora justamente os dois maiores sucessos de sua carreira, “Silent Lucidity” e “Jet City Woman”. Para qualquer outro grupo, essa decisão poderia significar um tiro no pé. No caso deles, virou afirmação de identidade.

Desde o polêmico episódio de 2012, marcado por uma apresentação desastrosa em que os conflitos internos entre Geoff Tate e o restante da banda transbordaram para o palco, o Queensrÿche precisava retomar a confiança dos fãs brasileiros. E havia também a mancha deixada pela versão alternativa liderada por Tate que se apresentou de forma pouco inspirada na edição de 2013 do próprio festival. Ou seja, não era apenas um show. Era um ajuste de contas.
Logo no início, quando os alto-falantes do Allianz Parque começaram a tocar “The Mob Rules”, do Black Sabbath, ficou evidente que a banda estava disposta a voltar às origens. O nome da música batizou o grupo de Seattle antes da união com Tate, numa espécie de prenúncio do que viria. A abertura com “Queen of the Reich” escancarou o recado: a apresentação seria crua, pesada e absolutamente técnica. E foi exatamente o que aconteceu.
Todd La Torre, que assumiu os vocais em 2012, fez sua estreia em solo brasileiro como vocalista do Queensrÿche justamente no mesmo estádio onde o grupo tocou pela primeira vez em São Paulo, lá em 1997. Com uma performance segura, La Torre mostrou por que conquistou os fãs mais exigentes da fase clássica da banda. Ele não só alcança com tranquilidade as notas altas que marcaram o repertório original como também imprime uma presença de palco firme, confiante e sem afetação.
Mike Stone e Casey Grillo completaram a formação que subiu ao palco em São Paulo. Grillo, ex-Kamelot, apesar de eficiente, pareceu menos impactante na execução das linhas originalmente criadas por Scott Rockenfield. Ainda assim, o conjunto funcionou. O Queensrÿche parecia confortável em um terreno que nem sempre é o mais fácil: o de revisitar músicas técnicas, muitas vezes menos conhecidas, mas que exigem precisão absoluta.
O repertório evitou qualquer aceno às faixas dos quatro álbuns lançados com La Torre, o que causa certa perplexidade. Com mais de uma década de estrada na nova formação, o grupo parece não saber ainda qual equilíbrio deseja entre o passado e o presente. Há um contraste estranho entre a performance afiada e a ausência de qualquer música mais recente. É como se a banda quisesse provar o tempo inteiro que ainda é capaz de recriar sua era dourada sem olhar para frente.
Essa ausência dos hits pode soar ingrata para parte do público mais casual. Afinal, são músicas que ajudaram a levar o Queensrÿche a outro patamar comercial, especialmente nos anos 90, quando “Silent Lucidity” virou hino nas rádios e fez a banda romper a bolha do metal progressivo. Ignorar esse momento não parece só uma escolha estilística, mas uma rejeição a uma parte importante de sua própria história. Ainda assim, quem acompanhou o show saiu com a certeza de ter visto uma banda precisa, competente e em forma.
O Queensrÿche está longe de ser um nome que se apoia apenas na nostalgia. Mesmo sem tocar seus maiores sucessos, entregou uma apresentação de nível altíssimo, com vocais impressionantes, repertório exigente e um vigor raro de se ver em bandas que atravessaram tantas décadas. Mas talvez ainda falte uma decisão clara sobre quem a banda quer ser no presente. Porque ignorar completamente seu legado popular pode ser tão problemático quanto depender apenas dele.