Poppy transforma São Paulo em um laboratório de intensidade sonora

Existe uma energia específica que circula no ar quando um artista chega ao palco sabendo exatamente quem é, o que construiu ao longo dos anos e o impacto que deseja provocar. Com Poppy, esse magnetismo se torna ainda mais explícito. É uma combustão imediata. Um convite para entrar em um universo que mistura agressividade, sensibilidade, técnica e uma dose generosa de estranheza calculada. Ontem, no Cine Joia, essa força tomou forma de um show que ultrapassou expectativas e solidificou algo que você provavelmente já sabia quando decidiu entrar ali: Poppy está entre os nomes mais importantes da música.

Poppy transforma São Paulo em um laboratório de intensidade sonora
Poppy transforma São Paulo em um laboratório de intensidade sonora

Antes do palco: entender Poppy é entender o século da música híbrida

Conversar com você, leitor, exige um combinado. Para entender o impacto do que aconteceu no Cine Joia, é preciso voltar alguns passos e olhar para a trajetória dessa artista que muita gente tenta rotular, mas poucos conseguem decifrar. Poppy não é um produto de nicho. Poppy é o próprio nicho. É a mistura vibrante entre o metal, o pop industrial, o j-pop, o nu metal, o experimentalismo eletrônico e uma estética que, desde o início, usou do estranho para comunicar o real.

Você já deve ter visto aquele início como personagem quase robótica no YouTube, aquela figura meio ficcional, meio crítica da cultura da internet. Desde então, Poppy mudou, evoluiu, rasgou a própria pele artística várias vezes e emergiu em novos formatos com uma naturalidade desconcertante. Poucos nomes da nova geração do metal conseguem ser tão camaleônicos sem perder coerência.

Não à toa, o Grammy a colocou como a primeira mulher solo indicada em Melhor Performance de Metal. Não à toa, ela circula entre Bad Omens, Bring Me The Horizon, Knocked Loose e consegue dialogar com públicos que vão do mais purista do metal ao fã do pop alternativo.

Poppy entendeu antes de muita gente que a música pesada do futuro não seria uma ilha. Seria um arquipélago.

A experiência ao vivo: onde o caos respira

E então entra o show de ontem. Cine Joia lotado, mosh pit surgindo em ondas e um público que parecia alternar entre surto coletivo, devoção e uma energia jovem que tomou a casa inteira. A sensação era clara: estava todo mundo pronto para participar do espetáculo, não só observar.

O setlist foi construído como uma escalada. Começou intenso com have you had enough? e, daqui pra frente, foi como assistir uma artista movendo camadas de si mesma. Quando BLOODMONEY veio, a casa parecia prestes a descolar do chão. A versão de V.A.N, da Bad Omens, ganhou corpo e violência. the cost of giving up chegou com sua melodia impecável e, mesmo com o microfone um pouco abaixo do ideal, era impossível ignorar a nitidez com que Poppy alterna entre delicadeza e brutalidade.

Sim, houve desvios da banda. Sim, o som desequilibrou alguns momentos. Mas há algo importante aqui: nem a falha técnica foi capaz de diminuir a força da performance. Pelo contrário. Realçou ainda mais a presença da artista. Você queria ouvir mais da voz dela. Queria aquele timbre cortando mais alto entre as guitarras e a bateria. Queria a nitidez que os discos entregam com perfeição. É verdade. Mas isso não anulou nada. Apenas acentuou o desejo.

E isso diz muito sobre a potência de quem está no palco.

A voz que atravessa e a persona que cresce

Se tem algo que define Poppy neste momento da carreira, é o controle absoluto sobre a própria identidade artística. Quando ela abre a boca para cantar, parece existir duas entidades convivendo ali. O angelical e o diabólico, o etéreo e o visceral. Essa oscilação é tão parte dela quanto as influências que carrega. É quase como se Poppy fosse um vetor que canaliza eras diferentes da cultura musical e entrega tudo em um único golpe.

E o público sente isso. Sente demais. A intensidade em Anything Like Me, o peso de I Disagree, o frenesi de Bite Your Teeth, a catarse de Concrete e o clima de arena em new way out deixaram claro o porquê de tanta gente enxergar nela uma das maiores forças da renovação do metal atual.

A cada música, parecia que o público entrava um pouco mais dentro da estética sombria e luminosa que ela constrói. Era bonito de ver. Era caótico de ver. Era impossível não se envolver.

O palco como ritual e o público como testemunha

Um show da Poppy funciona quase como um rito. Ela desenha o percurso, o público completa o gesto. A roda de mosh não era só um reflexo do peso das músicas. Era uma resposta emocional direta à presença dela. Um público jovem, inquieto, conectado com o que ela representa. Um público que entende que a música pesada do futuro passa pela ruptura, pela mistura, pela coragem de não caber em uma caixa.

Poppy tem personalidade para isso. Tem repertório para isso. Tem presença para isso.

E mesmo com problemas de mixagem, mesmo com tropeços instrumentais, mesmo com uma acústica que às vezes sacrificava detalhes da eletrônica, o que ficou foi a certeza de que, ao vivo, Poppy transforma imperfeição em sinceridade. Nada parecia artificial. Nada parecia calculado demais. Era real. Era humano. Era intenso.

E agora, leitor? O que fazer com esse impacto?

Se você está lendo até aqui, talvez esteja se perguntando por que um show relativamente curto, em um espaço relativamente pequeno, carregou um peso tão grande. A resposta é simples: Poppy já ultrapassou o status de curiosidade estética. Já não é mais um experimento de gênero. Já não é mais aquela artista que muitos tentavam entender como performance.

O que ela faz hoje é música pesada de verdade. Música pesada contemporânea. Música pesada com assinatura própria. Ela é protagonista de uma revolução estética que o metal estava precisando.

E o show de ontem foi uma confirmação disso.

Foi intenso. Foi honesto. Foi poderoso. Foi caótico. Foi lindo. Foi Poppy.

No fim das contas, o Cine Joia ficou pequeno. Porque o que Poppy construiu no palco foi maior do que o espaço comportava. Foi maior do que o som permitiu. Foi maior do que qualquer rótulo. Foi um lembrete de que a música ainda tem espaço para quem decide correr riscos.

Poppy não está apenas vivendo sua melhor fase. Ela está definindo uma nova.

E a gente teve o privilégio de assistir isso de perto.

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